Quem está acompanhando as notícias que têm sido publicadas nos sites da comunidade aquática e em alguns meios de comunicação sabe bem do que estou falando. Nunca a natação passou por um período tão conturbado. A polêmica envolvendo os trajes de última geração está afetando todas as esferas do esporte.
Se você não sabe bem o que está acontecendo vou resumir um pouco da história. Os trajes para nadadores tem sido utilizado já há vários anos. Em Atenas 2004 praticamente todos os nadadores já utilizavam algum tipo de traje. Até mesmo antes de 2004 vários nadadores já faziam uso dos trajes. Um caso famoso é nadador australiano Ian Thorpe, o “Torpedo”, que utilizava um modelo exclusiva da ADIDAS.
No entanto, até então a melhora nos resultados não era comprovada. Ou, em outras palavras, a diferença que o traje fazia não era tão significativa. O que ainda era o essencial era o trabalho do nadador e seu técnico durante a temporada. Era o treinamento que o fazia ganhar alguns centésimos de segundo preciosos que muitas vezes decidiam provas.
Em fevereiro de 2008 foi lançado o primeiro traje de última geração. É o famoso LZR da Speedo. Aquele que foi desenvolvido em conjunto com a agência espacial norte-americana NASA. Foi a partir dele que a polêmica começou pois pela primeira vez teríamos um traje que realmente traz resultados significativos para os nadadores. Esses resultados são: melhor compressão muscular, melhora da postura do nadador na água, além é claro da flutuabilidade e do menor atrito com a água. Com esse traje a melhora nos resultados é expressiva. O LZR foi a grande coqueluche dos jogos olímpicos de Pequim 2008. Foi o traje oficial da seleção norte-americana e também utilizado por atletas de diversos países. O problema na época era que ele não estava disponível para todos os atletas antes da competição, sendo que estes enfrentaram longas filas até conseguirem o seu exemplar.
Já nos jogos de Pequim diversas outras marcas já estavam sendo utilizadas, entre elas a ARENA, Blueseventy, TYR, Diana e inclusive o polêmico Jaked. Todos os trajes na época estavam aprovados pela FINA para serem utilizados. Não se sabia com certeza qual era o melhor e cada atleta acabou utilizando ou o LZR ou o que mais se adaptou.
Após os jogos de Pequim 2008 diversas marcas mundiais começaram a ser quebradas com os novos trajes. Recordes mundiais em provas curtas, de velocidade como os 50m livre, 50m borboleta, mesmo os 100 livre e outras estavam caindo por segundos. Isso mostrou que os trajes estavam provocando uma verdadeira revolução na natação. Não somente o treinamento do atleta estava contando para os resultados, mas qual o modelo de traje que ele usa. Dessa forma dois atletas com o mesmo preparo nadando a mesma prova, se um utilizar um traje melhor este pode ganhar a prova por conta do seu traje.
O traje mais polêmico é o conhecido Jaked modelo J001. A maioria dos trajes como o LZR eram feitos de um material sem costuras com placas emborrachadas. Essas placas são que efetivamente melhoram o desempenho do nadador na questão do atrito e da flutuabilidade. No caso do Jaked, este é inteiramente feito com esse material. Assim a melhora que é causada por ele é incrível. Não temos dados comprovados de quão melhor os nadadores podem nadar, porém vendo os tempos batidos temos noção do desempenho que eles proporcionam.
Nesse meio tempo outras questões estão envolvidas. Por exemplo, atletas até então desconhecidos, ou então que nunca fizeram parte da elite da natação mundial começaram a colocar tempos expressivos e até recordes. Nos campeonatos nacionais e de categoria em todo mundo os recordes estavam caindo de forma constante. Logicamente que não todos por causa dos trajes, muitos por causa da melhora da natação também. Porém, a natação ganhou espaço na mídia e com isso as empresas que fabricam os trajes começaram a lucrar muito. Temos ainda o problema dos atletas que tem patrocínio com determinados fabricantes. Estes não podem utilizar o traje que querem, mas somente aqueles que sua marca fabrica e que nem sempre são os melhores.
Durante todo esse desenvolvimento a FINA, Federação Internacional de Natação foi omissa demorando muito tempo para se pronunciar e estabelecer regras para o uso e confecção dos trajes. Não podemos voltar ao passado, mas a FINA deveria ter antes de liberar os trajes feito testes verificando quais deveriam ser legalizados e também garantindo que todos os nadadores tivessem acesso aos trajes. Isso não aconteceu e o que vimos foi uma série de nadadores se aproveitando a situação. Muitos começaram a utilizar 2 as vezes até 3 trajes para melhorar seu desempenho.
Em alguns países do mundo das próprias federações foram responsáveis por estabelecer regras. O Brasil proibiu o uso de dois trajes logo no Troféu Maria Lenk, porém no Open acontecido em Florianópolis no ano passado alguns atletas utilizaram mais de um traje.
Com tudo isso a FINA se viu obrigada a tomar uma posição e por essa razão solicitou que todas as fábricas enviassem os trajes para avaliação. Foi escolhido um Instituto de Tecnologia na Suíça que foi responsável por testar todos os trajes dentro de padrões que a FINA decidiu em uma reunião em março deste ano. O problema disto foi que a maioria dos trajes submetidos já haviam sido antes aprovados pela FINA, inclusive o Jaked. Outros, os lançamentos das marcas ainda não haviam sido aprovados e foram submetidos também.
Ontem o resultado saiu. Dos 348 trajes submetidos, de 21 marcas, 202 foram aprovados e 146 reprovados. Algumas marcas como a Blueseventy e Jaked tiveram seus principais trajes reprovados. No caso da Blueseventy todos os trajes foram reprovados. A Jaked teve seu modelo J001, com o qual Fred Busquet bateu o recorde mundial dos 50m livre na Frnaça, reprovado. A ARENA, marca que patrocina o nadador César Cielo teve seu lançamento o X-GLIDE também reprovado. Vale lembrar que esse modelo nunca havia sido aprovado, como é o caso do Jaked. O recorde do francês Alain Bernard nos 100m livre no campeonato francês deste ano foi batido com esse traje.
Agora restam algumas questões que a FINA ainda não foi capaz de responder. Por exemplo, os recordes batidos com os trajes reprovados vão ser homologados? Quem vai arcar com todo o prejuízo que nadadores do mundo inteiro tiveram com trajes que agora não podem ser mais utilizados? O que vai ser feito a partir de agora para os novos trajes que vão ser lançados estejam de acordo com a padronização da FINA? São muitas questões que precisam de resposta.
No meu entendimento temos duas opções para avaliar toda essa polêmica. Uma delas é negativa. É pensar que essa é uma página negra na história da natação mundial que nunca mais vai ser apagada. Que é um período em que a natação perdeu para a tecnologia e que os tempos feitos são irreais e por isso devem ser recusados. Outra é mais positiva. Podemos considerar que a natação evoluiu, que ganhou adeptos e espaço na mídia. Que possibilitou os atletas a nadarem mais rápido e conseguirem melhores resultados.
Para mim é a posição mais correta é uma mistura das duas. Por um lado temos que lamentar toda essa confusão e não concordar com aqueles que se aproveitaram da omissão da FINA utilizando dois ou mais trajes para melhorar seus resultados. Porém, não podemos cair no negativismo total de pensar que a natação não evoluiu. Não sei bem como, mas espero que toda essa confusão ainda seja benéfica para o esporte. Seja pelo espaço ganho na mídia ou pela possibilidade que temos de continuar quebrando marcas.
No entanto, é preciso ter discernimento para saber até que ponto o traje deve influenciar o desempenho. Cada treinador deve ter sabedoria para instruir seus atletas mais jovens e mostrar a eles que os trajes não substituem o treino. Eles não devem ser “atalhos” para diminuir o esforço nos treinamentos. Por fim, as marcas até aqui alcançadas devem ser reavaliadas. Aquelas que foram obtidas com trajes não aprovados devem ser canceladas. As obtidas com trajes que até então estavam aprovados e agora não estão mais devem ser avaliadas caso a caso. Mas na sua maioria também não devem ser homologados. Somente dessa forma vamos poder manter o esporte limpo e justo.
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